Dez anos haviam se passado desde que Lewis deixou a Inglaterra. Agora, ele estava de volta, mas sob circunstâncias completamente diferentes.
A cidade parecia a mesma, mas para ele, tudo havia mudado. Sentado no banco traseiro do táxi, observava a paisagem através da janela, reconhecendo ruas que um dia percorreu com pressa, tentando escapar dos fantasmas do passado. Desta vez, porém, não estava fugindo. Estava voltando para realizar um sonho.
Seu coração batia acelerado enquanto o carro avançava pelas avenidas cinzentas de Londres. Podia ver as vitrines iluminadas, os cafés movimentados e os prédios antigos que carregavam histórias em suas fachadas. O tempo parecia ter congelado ali, enquanto dentro dele tudo era um turbilhão. Fechou os olhos por um instante e inspirou fundo, tentando acalmar a ansiedade.
Ele não estava mais sozinho. Não era mais o garoto perdido que abandonou tudo em busca de um refúgio. Agora, tinha um propósito.
A primeira galeria de arte dedicada a apoiar vítimas de abuso estava prestes a abrir suas portas, e aquele espaço representava muito mais do que uma exposição. Era um manifesto. Um grito silencioso para aqueles que, assim como ele, precisaram se reconstruir.
Quando o táxi parou em frente ao prédio de fachada minimalista, Lewis sentiu um frio no estômago. Respirou fundo antes de sair do carro. O vento londrino bagunçou seus cabelos, trazendo uma sensação familiar, quase nostálgica. Ele ergueu os olhos para o letreiro discreto sobre a entrada e, por um momento, permitiu-se absorver tudo aquilo.
Ao atravessar as portas de vidro, deparou-se com um ambiente amplo, iluminado e cuidadosamente planejado. As paredes brancas exibiam suas obras, e cada quadro ali pendurado contava uma história de superação e esperança. Cores vibrantes misturavam-se a traços marcantes, e mesmo nas composições mais sombrias, havia um brilho de resiliência.
O evento de inauguração seria naquela noite. Jornalistas, convidados e apoiadores estariam presentes, mas Lewis não fazia aquilo por reconhecimento. Desde o início, seu objetivo era claro: todo o lucro das vendas seria destinado a instituições que ajudavam vítimas de abuso, oferecendo a elas o mesmo que ele recebeu quando mais precisou — uma chance de recomeçar.
Ainda que tivesse percorrido um longo caminho, Lewis sabia que algumas feridas nunca cicatrizam completamente. Ainda havia noites em que acordava sobressaltado, dominado por pesadelos que pareciam reais demais. Ainda havia momentos em que lembranças indesejadas surgiam sem aviso, trazendo de volta sensações que ele tentava deixar para trás. Mas, com o tempo, aprendeu a lidar com elas. O peso ainda existia, mas já não o esmagava.
Desenhar foi sua primeira forma de enfrentar o trauma. Lembrava-se bem da primeira vez que pegou um lápis depois de se mudar para Nova Iorque. Sua psicóloga havia sugerido que experimentasse algo novo, algo que o ajudasse a se conectar consigo mesmo. No início, ele não achou que funcionaria. Mas quando traçou as primeiras linhas no papel, sentiu que, pela primeira vez em anos, conseguia expressar algo sem precisar de palavras.
Começou desenhando plantas de casas, talvez porque, no fundo, sempre desejou um lar seguro. Um lugar onde pudesse existir sem medo. A arquitetura veio logo depois, como um chamado natural. Descobriu o prazer de criar espaços acolhedores para os outros, projetando ambientes que transmitissem segurança e pertencimento — tudo o que ele mesmo desejou durante sua adolescência.
Em poucos anos, Lewis formou-se com honras, destacando-se como um aluno brilhante e dedicado. Venceu competições, chamou a atenção de grandes companhias de arquitetura e, antes mesmo de se formar, já recebia ofertas irrecusáveis.
Agora, fazia parte de uma das melhores empresas de arquitetura de Nova Iorque, sendo respeitado e reconhecido no meio. Sua trajetória impressionava aqueles que o conheciam, tornando-se um exemplo de que, apesar das dificuldades, era possível seguir em frente.
Porém, o sucesso profissional não apagava todas as marcas do passado. A vida de Lewis era um equilíbrio constante entre conquistas e dias silenciosos de luta contra a depressão.
Ao longo dos anos, conheceu pessoas incríveis e construiu amizades valiosas, mas o medo de se entregar por completo ainda existia. Confiar nunca foi fácil. Preferia a solitude e, muitas vezes, refugiava-se em seu escritório, onde passava horas desenhando. Ali, entre traços e projetos, encontrava seu espaço de conforto, sem a necessidade de seguir o ritmo do mundo ao seu redor.
Durante a inauguração, a galeria ficou repleta de convidados, apoiadores e conhecidos. Lewis se movia entre eles, conversando, recebendo cumprimentos e sorrisos encorajadores.
Em certo momento, um homem loiro aproximou-se com um sorriso discreto e um olhar amistoso. Havia algo familiar nele, mas Lewis não conseguia lembrar de onde o conhecia.
— Olá, é um prazer conhecer você, Lewis — disse o homem, estendendo a mão. — Adam Spencer.
Lewis apertou sua mão com um sorriso educado.
— O prazer é meu.
Adam manteve o sorriso e acrescentou, quase casualmente:
— Na verdade, é um prazer reencontrar você.
Lewis franziu a testa, confuso, tentando se lembrar. Vendo sua expressão, Adam riu suavemente antes de explicar:
— Nos conhecemos há alguns anos, no parque. Você estava em uma casinha, e eu pedi para o meu sobrinho brincar lá. Ele era muito tímido, e você foi muito gentil, saindo para que ele pudesse entrar.
As lembranças vieram de repente, como flashes. Lewis recordou aquele dia — uma das poucas vezes em que escapara de casa para encontrar um pouco de paz no parque da rua vizinha. Era estranho pensar que, depois de tantos anos, alguém ainda se lembrava daquele momento.
— Você realmente se lembra disso? — perguntou, surpreso.
— Como poderia esquecer? — respondeu Adam, com uma expressão calorosa. — Você foi muito gentil com ele. Mas também… — Ele levou a mão ao rosto, como se fosse contar um segredo. — Confesso que fiquei encantado com você. Seu rosto nunca saiu da minha cabeça desde aquele dia.
Os olhos de Lewis se arregalaram levemente. Sentiu o rosto esquentar e, instintivamente, levou as mãos às bochechas, certo de que estava corando.
Adam riu baixo, achando a reação dele adorável.
Eles conversaram brevemente, e Adam mencionou que seu sobrinho estava bem e que ainda se lembrava de Lewis. Pouco depois, perguntou:
— Eu gostaria de conversar mais com você. O que acha de jantarmos juntos um dia desses?
Lewis hesitou. Sua primeira reação foi recusar, um reflexo automático, mas ele parou para pensar. Este era mais um novo capítulo de seu recomeço. Talvez fosse hora de se permitir algo diferente.
— Eu adoraria — respondeu, sorrindo.
Eles trocaram números e, por um instante, Lewis sentiu algo novo — uma mistura de paz e possibilidades.
Depois de mais algumas conversas com os convidados, Lewis reencontrou Alex e Nick. Estavam mais maduros, bem-sucedidos em suas carreiras e, para sua surpresa, juntos.
O reencontro foi emocionante. Os três se abraçaram, recordando, em silêncio, o quanto aquela amizade significava — especialmente para Lewis, naquele momento de sua vida.
Mais tarde, saíram juntos para comemorar, rindo como nos velhos tempos. O clima era leve, e a conversa fluía naturalmente, como se nunca tivessem se afastado. Nick, com seu humor sempre afiado, contava sobre sua jornada no mundo dos negócios, enquanto Alex, agora uma referência em marketing digital, falava sobre sua carreira e o relacionamento com Nick.
— E você, Lewis? Quando vai arranjar alguém? — brincou Nick, dando-lhe uma cotovelada amigável.
Lewis riu, balançando a cabeça.
— Quem sabe? Talvez um dia. Até lá, estou focado nos meus projetos.
Os três riram, e Alex ergueu o copo para um brinde.
— A verdade é que estamos todos muito orgulhosos de você, Lewis. Você superou tudo e mais um pouco.
Alex lembrava de como Lewis era na época da escola — sempre sozinho, o olhar assustado, como se estivesse prestes a desabar a qualquer momento. Mas agora… agora ele parecia tão vivo, tão feliz. Alex estava realmente feliz por ele. Lewis conseguira superar algo terrível e, mais do que isso, estava ajudando outras pessoas a fazerem o mesmo. Ele era incrível.
— Isso merece um brinde — disse Nick, levantando a taça.
Enquanto brindavam, Lewis refletiu sobre o longo caminho que percorrera. Em seu olhar havia serenidade e, pela primeira vez, uma verdadeira sensação de paz. O passado sempre faria parte de quem ele era, mas já não era um peso que o impedia de viver.
Olhando para Alex e Nick, para a galeria que construíra e para o propósito que abraçara, Lewis sentiu-se completo.
“Hoje, eu vivo.” — pensou em silêncio. “E vou continuar vivendo.”