Muitas horas haviam se passado, e Lewis ainda não despertara.
Dentro do quarto de hospital, Daniel e Samanta permaneciam em silêncio, observando o menor deitado na cama. O ambiente era dominado pelo som rítmico dos aparelhos médicos e pela respiração suave de Lewis, tão tranquila que quase parecia inexistente.
Naquele instante, ele parecia alheio ao mundo, livre de qualquer tormento. Daniel desejou, com todas as forças, que aquilo fosse verdade—que Lewis nunca mais tivesse que carregar o peso da dor e do medo. Mas sabia que era um desejo impossível.
Ele respirou fundo, lutando contra o aperto sufocante que tomava seu peito. Cada detalhe no rosto de Lewis era um lembrete do que havia acontecido. A pele antes impecável estava marcada por hematomas profundos, manchas arroxeadas que não deveriam estar ali. Marcas injustas para qualquer um, mas ainda mais para alguém tão frágil.
Daniel sentiu a garganta fechar. Seus olhos, pesados de tristeza e remorso, deslizaram pelo corpo do filho até se fixarem no pescoço. E foi então que seu estômago se revirou. A forma nítida de mãos impressas na pele machucada de Lewis fez seu sangue ferver.
A vergonha o invadiu ao lembrar de quem era o responsável. Seu próprio filho…
Se Lewis não o tivesse feito, ele mesmo teria matado Edward. Sem hesitar.
Daniel fechou os olhos por um instante, tentando conter o turbilhão de sentimentos que o sufocava. Como havia permitido que as coisas chegassem àquele ponto? Como não enxergara antes a monstruosidade crescendo sob seu próprio teto?
Ao seu lado, Samanta estava imóvel. Seus olhos não se desviavam de Lewis, mas sua mente estava distante, perdida em um abismo de culpa e desespero. Seus dedos tremiam levemente, um sinal discreto da tempestade que rugia dentro dela.
Ela queria falar, mas que palavras poderiam consertar aquilo? Como poderia aliviar a dor que consumia o filho quando ela mesma se sentia quebrada?
A única coisa que os mantinha de pé ali, naquela sala fria e iluminada, era a necessidade de esperar. De estar ali quando Lewis acordasse. De lhe dar algo que, por muito tempo, ele não teve: segurança.
Foi só no dia seguinte, logo pelas primeiras horas do dia que, Lewis começou a despertar.
Seu corpo ainda estava pesado, exausto. Mal ele abriu os olhos, a tempestade veio. Sem aviso, sem piedade.
As lembranças o engoliram por inteiro.
Ele estremeceu ao recordar o toque cruel, a dor cortante, os olhos cheios de ódio. O som da própria respiração vacilante, os gritos abafados, o gosto amargo do desespero.
Seu peito se contraiu, e as lágrimas começaram a escorrer antes mesmo que ele percebesse. Chorava silenciosamente, o corpo encolhido sob o lençol branco do hospital, como se tentasse desaparecer.
Daniel e Samanta se aproximaram no mesmo instante, os rostos tomados por preocupação. Mas assim que Lewis percebeu a presença deles, o pânico se intensificou.
O medo o fez recuar, os músculos se contraindo em um reflexo involuntário. Ele virou o rosto para o outro lado, apertando os olhos, como se isso pudesse afastá-los. Como se pudesse fugir da vergonha que o consumia.
— Lewis? — A voz de Daniel saiu baixa, hesitante.
Ele não sabia o que fazer. Não sabia como alcançar o menino sem que ele se retraísse ainda mais.
Lewis tremia.
O peito apertado, a respiração descompassada.
Não conseguia encará-los. Não conseguia suportar a ideia de olhar nos olhos de Daniel e ver ali a decepção, o ódio, o desprezo. Afinal, como ele poderia perdoá-lo? Como poderia aceitar que Lewis tinha matado seu próprio filho?
E sua mãe… pensar nela só fazia tudo doer ainda mais. Ele destruiu a família dela.
O soluço que escapou de sua garganta foi quase inaudível, mas a dor em seu peito era insuportável.
— Me desculpem… — murmurou, a voz fraca, falhando no final.
Samanta franziu o cenho, confusa.
— Pelo quê, meu amor?
Lewis hesitou.
O nó em sua garganta parecia impossível de desfazer.
— Eu… — As lágrimas caíam livremente agora. Ele fechou as mãos sobre o lençol, tentando encontrar forças para continuar. — Por ter destruído nossa família… por ter matado o Edward.
O silêncio que se seguiu foi sufocante.
Então, antes que ele pudesse reagir, sentiu o calor dos braços de Samanta ao seu redor.
O toque dela era firme, mas não agressivo. Forte, mas não sufocante. Ela o segurava como se estivesse tentando manter os pedaços dele unidos, como se quisesse protegê-lo de uma dor que já estava dentro dele há tempo demais.
Daniel se aproximou, pousando uma mão trêmula sobre o ombro do enteado. O contato era leve, mas carregava o peso de tudo o que ele queria dizer.
— Não, Lewis… — A voz de Daniel falhou, embargada. — Você não fez nada de errado.
Lewis estremeceu.
— Somos nós… — Daniel engoliu em seco, fechando os olhos por um instante. — Somos nós que devemos desculpas. Por não termos percebido. Por não termos te protegido.
As palavras atingiram Lewis com força.
Ele não esperava aquilo.
Não esperava que o abraçassem. Não esperava que o segurassem como se ele ainda fosse parte da família, como se ainda pertencesse ali.
A intensidade das emoções era esmagadora.
Daniel sentiu o próprio rosto umedecer quando as lágrimas começaram a rolar sem controle. Samanta também chorava, a cabeça inclinada contra a de Lewis, segurando-o como se nunca fosse soltá-lo.
E, ali, naquele quarto frio, entre soluços e lágrimas, os três se abraçaram.
Feridos. Quebrados.
Mas juntos.
Quando finalmente conseguiram se acalmar um pouco, o silêncio ainda pesava no ar. Apenas o som distante dos aparelhos médicos preenchia o ambiente
Daniel respirou fundo antes de se sentar ao lado de Lewis, seus movimentos cautelosos, como se temesse assustá-lo. Ele não queria pressioná-lo, mas precisava entender. Precisava ouvir da boca do menino o que havia acontecido.
— Lewis… — chamou, sua voz suave, quase hesitante. — Você pode me contar o que aconteceu?
Lewis hesitou.
Seus dedos se entrelaçaram nervosamente, apertando e soltando as dobras do lençol em um gesto automático. Ele desviou o olhar, fixando-o em um ponto qualquer no chão, como se buscasse coragem ali.
O ar parecia pesado dentro de seus pulmões quando finalmente encontrou forças para falar.
— Desde que nos mudamos para cá, ele começou a me provocar — começou, a voz baixa, trêmula. — Primeiro eram só empurrões, tapas…
Ele engoliu em seco, as palavras presas em sua garganta. Sentia como se estivesse se afogando nelas.
— Mas uma noite… ele chegou em casa bêbado e…
Sua respiração falhou.
Lewis fechou os olhos por um momento, tentando conter o tremor que percorreu seu corpo. Ele não queria lembrar. Não queria reviver aquilo. Mas se não dissesse, nunca conseguiria se libertar.
Com um fôlego trêmulo, ele forçou-se a continuar:
— …abusou de mim.
A confissão caiu no quarto como um trovão.
Samanta cobriu a boca com a mão, os olhos arregalados e cheios de lágrimas. O horror estampado em sua expressão era indescritível.
Daniel fechou as mãos em punhos, tentando conter a própria fúria. Seu maxilar estava tenso, seus olhos refletiam uma dor profunda, um tormento que ele não sabia como suportar.
Mas Lewis ainda não havia terminado.
— No começo, pensei que fosse por causa da bebida — murmurou, a voz quebrada. — Que ele nunca faria aquilo de novo…
Ele riu sem humor, um som amargo e frágil.
— Mas ele fez.
O peso dessas palavras parecia esmagá-lo.
— Muitas outras vezes. E sempre sóbrio.
Um silêncio cortante dominou o ambiente.
— Ele dizia que eu merecia — Lewis continuou, sua voz mal passando de um sussurro. — Que a culpa era minha… por eu ter destruído a família dele.
As lágrimas escorriam silenciosamente pelo rosto de Samanta.
Daniel passou a mão pelo rosto, os olhos brilhando de pura revolta e impotência.
Por que ele não viu? Por que não percebeu o que estava acontecendo dentro da própria casa?
— P-por que você não nos contou, Lewis? — Samanta perguntou, a voz embargada, entrecortada pelo choro. — Nós teríamos feito algo…
Lewis abaixou a cabeça.
— Ele ameaçava machucar você, mãe — confessou, a voz fraca, quebrada.
Samanta ficou paralisada.
— Ele dizia que tinha amigos que poderiam te atacar… e que me obrigaria a assistir.
Daniel prendeu a respiração, seus punhos cerrados com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
— Ele sempre cumpria as ameaças dele — Lewis continuou, sua voz carregada de uma dor que parecia não ter fim. — Eu sabia que era melhor aguentar tudo sozinho.
E foi nesse momento que Samanta entendeu.
Ele não apenas sofreu—ele suportou tudo sozinho para protegê-la.
As lágrimas voltaram a escorrer por seu rosto enquanto ela se inclinava e abraçava Lewis novamente, segurando-o como se tentasse protegê-lo de todo o mal que já havia acontecido.
— Me desculpe… me desculpe por ter sido uma mãe tão horrível. Eu devia ter te protegido… Eu falhei com você.
Lewis abaixou a cabeça, sentindo o peso do cansaço e da dor. Embora houvesse dias em que se ressentia da mãe por ela viver numa bolha de família feliz, ele sabia que o verdadeiro culpado era Edward.
O silêncio que se seguiu foi interrompido por uma batida suave à porta. A detetive Parker e a delegada entraram no quarto, os rostos carregando um olhar cuidadoso.
— Desculpem-nos a interrupção — começou a delegada, educadamente. — Mas precisamos falar com Lewis, se ele se sentir disposto.
Samanta prontamente começou a protestar.
— Ele precisa descansar…
Mas Lewis a interrompeu, acenando com a cabeça.
— Tudo bem, mãe. Eu quero falar com elas. Quero contar tudo e acabar com isso de uma vez.
Seu rosto estava cansado, mas havia firmeza em sua decisão.
Respirando fundo, Lewis começou a relatar o que vivera. Conforme falava, mencionou algo que nunca havia confessado aos pais. Ele hesitou, mas decidiu continuar.
— Naquela noite, eu… eu estava pronto para acabar com tudo. — Sua voz saiu baixa, quase um sussurro. — Estava decidido a tomar um frasco de comprimidos e tirar minha própria vida…
Samanta prendeu a respiração.
— Mas Edward entrou no meu quarto antes que eu conseguisse.
Lewis parou, passando a mão sobre o pescoço, onde as marcas dos dedos de Edward ainda pareciam latejar.
— Ele debochou de mim e até se ofereceu para me matar, me enforcando. Disse que, mesmo se eu morresse, ainda machucaria você, mãe… e você também, Daniel. — Lewis lançou um olhar breve para os dois. — Disse que eu não tinha saída.
Samanta e Daniel se entreolharam, devastados.
A delegada inclinou-se um pouco, sinalizando que ele podia continuar quando estivesse pronto.
— Depois, ele… abusou de mim de novo — Lewis continuou, a voz embargada.
Um soluço escapou, e ele olhou para a mãe, os olhos vermelhos.
— Eu lutei contra ele, lutei tanto…
Samanta chorava com ele, sentindo-se impotente diante da dor do filho.
— Mas era inútil, Edward sempre vencia — Lewis murmurou, passando as mãos pelo rosto, tentando conter as lágrimas.
Fez-se um silêncio pesado antes que ele conseguisse falar novamente.
— Mas dessa vez, quando ele terminou, eu só conseguia pensar que… que precisava acabar com aquilo. Não podia deixar que ele me machucasse mais… ou machucasse vocês.
Ele baixou os olhos para as próprias mãos, agora enfaixadas, como se ainda sentisse o impacto do que fizera.
— Peguei um dos cacos que estavam no chão e… — Lewis hesitou, procurando palavras para descrever algo que para ele ainda parecia irreal. — Não lembro de tudo. Só sei que algo dentro de mim se apagou, e a única coisa que via era ele me atacando, me machucando.
Engoliu em seco antes de concluir:
— Eu… eu só estava me protegendo.
Lewis ergueu os olhos para as detetives.
Elas escutavam em silêncio, absorvendo cada palavra, e até pareciam abaladas com o horror da situação.
Samanta e Daniel permaneceram ao lado de Lewis, sentindo a dor dele como se fosse a própria.