Pela segunda vez naquela semana, Lewis acordou antes de todos.
O silêncio da casa fazia seu peito afrouxar um pouco, como se o ar estivesse mais denso sem a presença da mãe ou de Dani.
Movia-se com cautela, tentando não fazer barulho enquanto preparava o café da manhã. Mas, no fundo, sabia que mesmo se derrubasse algo, ninguém se importaria.
Depois de comer às pressas, pegou sua mochila e saiu, sentindo o ar fresco da manhã roçar seu rosto ainda marcado por hematomas. Os machucados já não doíam tanto, mas ainda estavam ali, testemunhas silenciosas dos dias anteriores.
Nos últimos dias, Lewis fazia questão de sair de casa mais cedo. Evitava qualquer encontro com a mãe e Dani — mesmo que tentasse esconder, alguns machucados eram impossíveis de disfarçar. Se eles notassem seria um grande problema. Lewis não tinha energia para lidar com olhares de pena ou perguntas que nunca levariam a lugar nenhum.
Apenas precisava se manter fora de vista até a hora de voltar da escola.
Edward não dormiu em casa naquela noite. Nem na anterior. Para Lewis, aquilo foi um alívio muito grande. A ausência dele tornava o ambiente um pouco menos sufocante.
No parque, sentou-se no mesmo banco de sempre, abraçando a mochila contra o peito. Olhou para o céu, observando o movimento lento das nuvens. O vento balançava as folhas das árvores, produzindo um som suave que quase o fazia esquecer de tudo.
Lewis tem sentado nesse parque esses dias. Como ele saia muito cedo de casa, não era sequer hora que o ônibus passava. Então ele não tinha outra escolha. Mas ele gostava de ficar ali.
Não pensava em nada em particular. Apenas esperava. Esperava até que fosse hora de pegar o ônibus da escola. Até que o dia passasse. Até que a noite chegasse e ele pudesse repetir tudo de novo.
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Quando Lewis entrou pelos corredores, ninguém pareceu notar sua presença.
Ele caminhou devagar, sentindo-se quase invisível em meio ao burburinho dos outros alunos. Não sabia ao certo se haviam perdido o interesse nele ou se era simplesmente porque era sexta-feira — o último dia de provas, o último dia de aula antes das férias.
De qualquer forma, não fazia diferença.
Sem pressa, seguiu até a sala de aula e se sentou em seu lugar habitual, perto da janela. O ar estava mais leve naquela manhã, talvez pelo alívio geral dos alunos que finalmente encerravam o semestre. Com o passar dos minutos, os colegas começaram a entrar, ocupando seus lugares aos poucos, animados.
Alguns ainda lançavam olhares em sua direção, alguns ainda sussurravam entre si — aqueles que insistiam em torná-lo alvo de suas provocações. Mas Lewis apenas os ignorou, como vinha fazendo nos últimos meses. Nada daquilo importava mais. Hoje seria a última vez que precisaria lidar com aquilo.
As conversas foram se intensificando à medida que o horário avançava. Planos de férias eram discutidos com empolgação, vozes se sobrepunham em um misto de ansiedade e alívio. Viagens, festas, encontros. Todos pareciam ter algo para esperar ansiosamente.
Todos, exceto Lewis.
Tudo o que ele queria era voltar para casa, se trancar no quarto e se afastar do mundo.
Quando o sinal soou anunciando o fim da aula, o ambiente se transformou em um caos organizado. Cadernos e mochilas eram recolhidos às pressas, cadeiras arrastadas sem muito cuidado. Lewis, no entanto, permaneceu sentado, organizando suas coisas sem pressa, observando a sala esvaziar aos poucos. Era curioso ver o quão rápido as pessoas podiam desaparecer quando tinham algo melhor para fazer.
Ele estava prestes a se levantar quando uma voz o chamou:
— Ei.
Lewis ergueu a cabeça e encontrou Alex e Nick parados à sua frente.
Por um segundo, ficou surpreso.
— Só queríamos desejar boas férias para você. — disse Nick, coçando a nuca, claramente sem jeito.
Lewis piscou, encarando os dois. Não esperava por isso.
Então, para a surpresa de ambos, ele sorriu. Um sorriso pequeno, mas genuíno.
Fizesse o que fizesse para ignorar eles e os afastar, os dois continuavam tentando se aproximar. Apesar de nunca ter demonstrado, Lewis sentia-se agradecido. Entre todos ali, eram os únicos que não o olhavam com desprezo ou o atacavam. Ao contrário, eles o protegiam.
Lewis era muito agradecido a eles.
Levantando-se, ajustou a mochila no ombro e respondeu:
— Obrigado… por tudo. Aproveitem as férias.
Sem esperar uma resposta, ele se virou e saiu da sala, deixando Alex e Nick se entreolharem, surpresos.
Algo estava diferente para Lewis naquele dia.
Seu corpo parecia mais leve, sua mente, estranhamente tranquila. Como se, pela primeira vez em muito tempo, ele estivesse respirando sem peso nos pulmões.
Ao sair da escola, Lewis olhou ao redor, procurando por Edward. Seu olhar percorreu os grupos de alunos que se despediam animadamente, alguns planejando saídas, outros apenas aliviados pelo fim das provas. Mas Edward não estava ali.
Provavelmente, já havia saído com os amigos.
A constatação trouxe um alívio silencioso.
Lewis soltou um suspiro discreto, sentindo os ombros relaxarem ligeiramente. Embora estivesse disposto a suportar qualquer dor, evitá-la, sempre que possível, era a melhor opção.
De qualquer forma, depois de hoje, isso não importaria mais.
Porque ele havia tomado uma decisão.
Talvez muitos o julgassem por isso. Talvez o chamassem de fraco, de covarde. Mas Lewis não se sentia assim. Pelo contrário. Ele havia sido forte por tempo demais, carregando fardos que ninguém deveria carregar.
E agora, simplesmente, não podia mais.
Por muito tempo, apesar da dor, ele acreditou que poderia aguentar um pouco mais. Que se resistisse só mais um dia, mais uma semana, mais um mês, as coisas poderiam melhorar. Ele se agarrou a essa esperança frágil com tudo o que tinha.
Mas toda vez que uma fagulha de alívio tentava se acender dentro dele, Edward a apagava sem hesitação. Pisava nela com crueldade, como se tivesse prazer em destruir qualquer lampejo de esperança que ousasse surgir.
O pior era que Lewis nunca entendeu o porquê. O que havia feito para merecer aquilo? Por que Edward sempre voltava, pior do que antes, como se sua existência fosse uma afronta?
Depois do último episódio, ficou claro que não havia mais saída.
Ele tentou. Tentou de todas as formas encontrar um motivo para continuar, uma razão para acreditar que ainda havia um amanhã menos doloroso esperando por ele. Mas não havia.
Ele havia esgotado todas as suas forças. Todas as possibilidades.
Esse era o único caminho que restava.
E, sinceramente, Lewis não se sentia culpado por escolhê-lo.
Seu corpo doía. Sua mente estava cansada. O peso que carregava o esmagava de dentro para fora, tornando cada respiração um esforço exaustivo.
Ele merecia descanso.
No início, cogitou esperar até a cerimônia de formatura. Pelo menos assim ninguém teria que lidar com sua ausência durante o último evento importante da escola. Mas logo percebeu que não conseguiria.
Não havia mais forças para suportar nem mais uma semana.
Quanto mais rápido terminasse com aquilo, melhor.
Ao entrar em casa, Lewis não seguiu para o próprio quarto.
Seus passos foram automáticos, silenciosos, dirigindo-se diretamente ao quarto dos pais. O ambiente estava escuro e imóvel, carregado por uma ausência que há muito tempo se tornara familiar. Ele cruzou o espaço sem hesitação, entrando no banheiro.
Com um movimento mecânico, abriu o armário de remédios. Seus olhos percorreram os frascos até encontrarem exatamente o que procurava.
O vidro pequeno, com rótulo branco e letras miúdas, estava lá. Ele o reconhecia bem. Era o remédio que sua mãe tomava para dormir desde a morte de seu pai. Lembrava-se da primeira vez que a vira segurando aquele frasco com os dedos trêmulos, buscando consolo no silêncio das madrugadas.
Lewis pegou o frasco e o virou levemente na palma da mão. Para sua sorte, estava cheio. Havia sido comprado recentemente.
Fechou o armário com calma, como se não quisesse perturbar a quietude do ambiente, e saiu do quarto da mãe sem olhar para trás.
No corredor, sua respiração permaneceu estável. Não havia hesitação. Nenhuma dúvida.
Seu destino agora era o próprio quarto.
Assim que entrou, fechou a porta atrás de si, trancando-a sem pressa. Não estava preocupado com interrupções. Sabia que sua mãe e Daniel voltariam tarde, como sempre. E tinha certeza absoluta de que Edward não apareceria em casa tão cedo.
O silêncio do quarto era reconfortante.
Lewis se aproximou da cama e colocou o frasco de remédios sobre a cabeceira.
Depois, abaixou-se para abrir a mochila e puxou de dentro um caderno já um pouco gasto e uma caneta qualquer.
Sentou-se na beirada da cama, deixando os dedos deslizarem sobre a capa do caderno antes de finalmente abri-lo em uma página em branco.
Respirou fundo.
E começou a escrever.
Palavras simples, diretas. O suficiente para dizer o que precisava.
Ele escreveu o quanto amava sua mãe.
E, entre as linhas rabiscadas com uma caligrafia sem pressa, pediu desculpas.
Desculpas por estar desistindo.
Por não conseguir mais carregar o peso daquilo tudo.
Por ser fraco, mesmo sabendo que já havia sido forte por tempo demais.
Por muito tempo, o que impediu Lewis de seguir esse caminho foi o medo do sofrimento que causaria à mãe.
Imaginá-la descobrindo, devastada pela notícia, era quase insuportável. Ele sabia o quanto ela já havia suportado – a perda do marido, a pressão de manter a casa funcionando, os olhares de pena de todos ao redor. Acrescentar mais uma tragédia à sua vida parecia cruel.
Mas agora, Lewis via as coisas de outra forma.
Talvez essa fosse sua única chance de protegê-la.
Sem ele por perto, Edward não teria mais um alvo. Não teria mais ninguém para descontar sua raiva, sua obsessão, seu desejo doentio de vingança. Sua mãe e Daniel poderiam, enfim, viver em paz.
E se esse era o preço a pagar, Lewis estava disposto.
Um sorriso amargo surgiu em seus lábios ao imaginar a frustração de Edward quando descobrisse que seu “brinquedo” havia se quebrado de uma vez por todas.
Sem chance de conserto.
Sem possibilidade de retorno.
Ele podia até visualizar a expressão de Edward – a raiva nos olhos, a frustração por perder seu “bom garoto”. Talvez ele gritasse, talvez destruísse algo no processo. Mas, no final, nada disso importaria.
Lewis não estaria mais ali para ver.
Com delicadeza, ele colocou o caderno aberto em cima da cabeceira, ao lado de sua jarra de ãgua. Observou o papel por um momento, os traços ligeiramente trêmulos da sua caligrafia, as palavras que deixou para trás. Esperava que sua mãe entendesse. Que, de alguma forma, pudesse perdoá-lo.
Seus dedos deslizaram sobre o frasco de comprimidos enquanto ele se sentava na cama.
Foi então que percebeu.
Suas mãos estavam tremendo. Tremendo muito.
O peso da decisão, até então tão clara, começou a pressioná-lo com força.
E então, como uma represa se rompendo, as lágrimas vieram.
Primeiro silenciosas, escorrendo por seu rosto sem esforço. Depois, intensas, sacudindo seus ombros, fazendo sua respiração falhar.
Ele apertou os olhos com força, tentando se controlar.
Respirou fundo, enchendo os pulmões até onde conseguiu, e soltou o ar devagar. Uma, duas, três vezes, até sentir o peito menos apertado.
Com a manga da blusa, limpou o rosto.
E então, seus olhos voltaram para o frasco em suas mãos.
Seu polegar deslizou sobre a tampa.
Apertou.
Girou.
E, finalmente, decidiu abrir.