O clima frio do hospital parecia pressionar ainda mais os ombros de Daniel e Samanta enquanto esperavam no corredor estreito e impessoal. O ar carregava o cheiro estéril de desinfetante, misturado ao silêncio pesado que tornava cada minuto uma eternidade sufocante.
Daniel passava as mãos pelo rosto repetidamente, um gesto mecânico, quase desesperado, como se tentasse apagar da mente a cena do quarto—o sangue, o caos, o olhar vazio de Lewis, a figura inerte de Edward. A imagem se repetia como um pesadelo do qual ele não conseguia despertar.
Ao seu lado, Samanta mantinha as mãos trêmulas unidas no colo. Seus dedos apertavam-se com força, até ficarem pálidos, mas ela não parecia perceber. O olhar perdido vagava pelo chão branco e brilhante, os olhos arregalados como se, de alguma forma, a realidade pudesse mudar se ela se recusasse a aceitá-la. No fundo, ainda se agarrava à esperança tola de que tudo aquilo não passasse de um sonho ruim.
Mas não era.
Ela sabia. Deus, como sabia.
Daniel pensava em todas as vezes que cogitou enviar Edward para longe—um internato, outra cidade, outro país. Qualquer coisa que pudesse afastá-lo daquela sombra que parecia envolvê-lo desde pequeno. Ele sabia que o filho tinha tendências difíceis, um lado sombrio que nunca conseguiu compreender. Mas se convenceu de que era apenas uma fase, um traço de rebeldia juvenil que, com o tempo, desapareceria.
“Como pude ser tão ingênuo?”, pensou, sentindo o gosto amargo do arrependimento apertar sua garganta.
Se tivesse prestado mais atenção, se tivesse sido mais firme, se tivesse feito algo diferente… Lewis nunca teria passado por aquilo. Cada ferida no corpo do menino, cada hematoma, cada cicatriz, pareciam agora gravados em sua própria pele, como se ele também carregasse a culpa.
Ao lado dele, Samanta finalmente começava a entender. Finalmente via—com a clareza cruel da retrospectiva—o horror que ignorou por tanto tempo.
Havia sinais. Tantos sinais.
O silêncio de Lewis quando o assunto era Edward. A maneira como seus ombros encolhiam toda vez que o meio-irmão estava por perto. O medo que tentava esconder por trás de um sorriso frágil demais para ser verdadeiro.
E ela não viu que algo não estava certo com o filho.
Ou melhor, viu, mas escolheu não enxergar.
Porque aceitar significaria admitir que sua família não era perfeita, que seu enteado não era apenas um jovem incompreendido, que algo estava terrivelmente errado dentro de sua própria casa.
Agora, tudo o que restava era a verdade crua e devastadora.
Um nó apertava seu peito, e sua mente repetia, sem piedade, a única conclusão possível:
“Eu sou a pior mãe do mundo.”
A chegada da detetive Cristina Parker e da delegada Lívia interrompeu seus pensamentos. O hospital havia informado a polícia, mas, nos primeiros minutos de caos, Daniel e Samanta sequer pensaram nisso. Suas mentes estavam focadas exclusivamente em Lewis.
A delegada se aproximou com um olhar sério, mas havia um traço de tristeza em seus olhos.
— Sr. e Sra. Stewart — disse Lívia em voz baixa. — Sabemos que este é um momento extremamente difícil, mas precisamos entender melhor o que aconteceu.
Daniel respirou fundo, reunindo a pouca força que lhe restava. Com a voz rouca e quase apagada, descreveu os últimos acontecimentos: o choque ao encontrar Edward caído, o pavor absoluto no rosto de Lewis, a confusão que tomou conta de tudo.
Cristina e Lívia ouviram atentamente, suas expressões ficando cada vez mais sombrias conforme a realidade se desdobrava diante delas. Quando Daniel terminou, as duas trocaram um olhar carregado de peso, e Parker abaixou a cabeça, visivelmente constrangida.
— Sr. Stewart… — começou a detetive, sua voz hesitante. — Nós estávamos errados. Assumimos, injustamente, que o senhor poderia ser o agressor. Eu… me sinto envergonhada por isso.
Ela fez uma pausa, pressionando os lábios com força antes de continuar:
— Se tivéssemos investigado mais a fundo, se tivéssemos prestado mais atenção nos sinais… — sua voz falhou, e Daniel percebeu o peso da culpa em seu olhar. — Talvez tivéssemos evitado essa tragédia.
Ele passou a mão pelo rosto cansado e balançou a cabeça.
— Isso não importa mais — murmurou, quase para si mesmo.
Não havia espaço para raiva ou ressentimento. A dor era profunda demais para que qualquer coisa pudesse mudá-la agora.
O tempo pareceu se estender no silêncio pesado que se seguiu. Minutos depois, a porta da sala de exames se abriu, e uma médica caminhou até eles. Seu olhar era sério, mas carregava uma compaixão silenciosa, o tipo que apenas alguém que já testemunhou muito sofrimento poderia oferecer.
— Sr. e Sra. Stewart — disse ela, pausando por um instante antes de continuar. — Gostaria de conversar com vocês sobre o estado de Lewis.
Daniel segurou a mão de Samanta com firmeza, sentindo os dedos dela tremerem contra os seus. O toque era frio, e ele percebeu que ela estava perdendo o controle outra vez.
A médica à sua frente inspirou fundo, como se buscasse forças para pronunciar as próximas palavras. Seu olhar era gentil, mas carregava um peso insuportável.
— O Lewis tem múltiplos ferimentos pelo corpo. Alguns são recentes, mas outros já estavam em processo de cicatrização, o que sugere que ele vem sofrendo esses abusos há algum tempo.
Ela fez uma pausa, dando-lhes um instante para absorver aquilo. Mas não havia como. Nenhuma pausa seria longa o suficiente para prepará-los para o que viria a seguir.
— Os ferimentos na região anal… são extensos. E… esses ferimentos não são apenas de hoje.
O mundo de Daniel parou.
Por um momento, ele não sentiu mais o chão sob seus pés. O ar ficou pesado demais para respirar, o hospital ao redor pareceu se dissolver em um borrão.
Ele sentiu o estômago se revirar violentamente, como se fosse vomitar. Samanta, ao seu lado, soltou um som sufocado, uma mistura de ofego e soluço, e recuou um passo, levando as mãos à boca. Seu corpo inteiro tremia, como se estivesse prestes a desmoronar ali mesmo.
— O filho de vocês foi vítima de abusos severos — continuou a médica, sua voz suave, mas implacável. — Eu lamento profundamente.
O silêncio caiu sobre eles, denso como um abismo.
Por um instante, ninguém se moveu. Ninguém respirou.
Então, Samanta rompeu o silêncio com um soluço alto. O som frágil se transformou rapidamente em algo mais profundo, um lamento dilacerante que ecoou pelo corredor estéril do hospital.
— Como pude deixar isso acontecer? Como? — A voz dela era um misto de angústia e incredulidade, os olhos arregalados, cheios de lágrimas, como se buscassem uma resposta impossível. — Ele é meu filho! Como eu pude ser tão burra?!
Suas pernas cederam, e ela teria caído se Daniel não a segurasse a tempo. Ele a puxou para perto, abraçando-a com força, tentando sustentá-la enquanto ela se despedaçava em seus braços.
Mas ele também estava ruindo.
Cada palavra da médica parecia atravessá-lo como uma lâmina, abrindo feridas que ele sabia que jamais cicatrizariam. A dor era insuportável, um peso esmagador que se instalava em seu peito, sufocando-o.
E, no meio daquele caos de emoções — culpa, horror, impotência —, uma única certeza se formava dentro dele.
Nada jamais seria o mesmo.