Lewis não conseguia afastar os pensamentos sobre o dia anterior e como tudo terminou.
O rosto de sua mãe vinha à sua mente repetidamente. Ela parecia tão zangada… Lewis nunca a tinha visto daquele jeito.
Seu olhar era acusador, como se gritasse, sem precisar de palavras, que ele estava destruindo sua felicidade. A vida perfeita que ela havia conquistado.
Naquele momento, Lewis se sentiu a pior pessoa do mundo.
Se algum dia cogitou contar à mãe o que realmente acontecia, agora essa ideia estava completamente descartada.
Aquele olhar bastava para convencê-lo de que era melhor sofrer sozinho do que envolver outras pessoas e lidar com as consequências.
Ele sabia que, se dissesse qualquer coisa, seria responsabilizado por tudo. Se já era tratado como um fardo, confessar a verdade só o tornaria um vilão.
Não. Ele não queria ser alvo daquele olhar novamente.
De qualquer forma, ele já tinha suportado até ali. Sobreviveu por tanto tempo. Poderia aguentar um pouco mais.
Só até Edward sair de casa e ir para a faculdade. O cacheado ficaria ocupado demais para se importar com Lewis.
Lewis rezava para que Edward escolhesse voltar para a cidade onde sua mãe estava. Dessa forma, ele finalmente se livraria dele.
Por favor.
Sentado no banco do ônibus, ele se remexeu no assento, apertando os punhos nas alças da mochila. Seu estômago estava embrulhado pela ansiedade.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, uma pequena faísca de esperança surgia em seu peito. Depois de tanto tempo sentindo-se preso, sufocado, sem saída… agora Lewis começava a acreditar que talvez houvesse um caminho.
Talvez houvesse uma chance de recomeçar.
E, agarrando-se a essa esperança, ele fechou os olhos e inspirou fundo, tentando acalmar o turbilhão dentro de si.
Lewis saiu de seus devaneios quando o ônibus parou em frente à escola. Inspirou fundo, apertando as alças da mochila como se pudesse extrair coragem daquele gesto, e soltou o ar devagar antes de finalmente descer.
O vento frio da manhã roçou sua pele, mas o que realmente o fez estremecer foi a sensação incômoda de dezenas de olhos sobre si. Ele não precisava olhar ao redor para saber que estavam encarando. As vozes que antes preenchiam o pátio agora se transformavam em cochichos abafados. Algumas conversas foram interrompidas no meio da frase, apenas para que seus donos pudessem observá-lo melhor.
O peso daqueles olhares parecia comprimir seu peito. Nunca fora o centro das atenções e, se dependesse dele, nunca seria. O desconforto o envolveu como uma segunda pele, tornando cada passo mais pesado.
Manteve os olhos fixos no chão, tentando ignorar a onda de ansiedade que o sufocava. Estava tão concentrado em evitar os rostos ao redor que não percebeu a presença de alguém parado à sua frente — pelo menos, não até esbarrar nele.
O impacto foi forte o suficiente para fazê-lo cambalear. Por um triz não caiu, conseguindo se segurar na parede mais próxima. Sentiu o coração disparar no peito, tanto pela colisão repentina quanto pelo medo do que viria a seguir.
Ele levantou o olhar hesitante e seu estômago se revirou ao reconhecer a pessoa diante de si.
Matheus.
O sorriso do outro era puro veneno, e seus olhos brilhavam com uma satisfação cruel. Lewis soube que aquilo não acabaria bem antes mesmo que Matheus abrisse a boca.
— Nós já sabíamos que você era uma bixa, mas não sabíamos que gostava de violência, Tommer!
A voz do garoto ecoou pelo corredor, carregada de deboche. Era alto o suficiente para que todos ouvissem, e, como esperado, as risadas explodiram ao redor.
Lewis sentiu o rosto pegar fogo.
Ele queria sumir. Se pudesse, teria encolhido até desaparecer por completo. Mas seu corpo parecia enraizado no chão, congelado sob o peso do constrangimento.
Foi então que outra voz cortou o riso geral, firme e sem hesitação:
— O que ele gosta ou não de fazer não é da sua conta, Matheus.
Alex.
Ele surgiu ao lado de Lewis como um escudo, erguendo o queixo de forma desafiadora. Seu olhar era frio e implacável, cheio de uma ameaça silenciosa.
Matheus apenas riu, mas sua expressão perdeu um pouco do brilho satisfeito. Mesmo assim, preferiu não retrucar. Virou-se e saiu andando, ainda acompanhado das risadas de seus amigos.
Lewis piscou algumas vezes, tentando absorver o que havia acabado de acontecer. Seu peito ainda subia e descia rapidamente, a respiração errática.
Foi só quando sentiu um toque suave em seu braço que percebeu que ainda tremia.
— Você está bem?
A voz preocupada veio de Nick, que agora o observava com as sobrancelhas franzidas. O contato foi o suficiente para fazê-lo estremecer, não por medo, mas pelo choque repentino.
Ele engoliu em seco e apenas assentiu, sem conseguir encontrar palavras. Em seguida, girou nos calcanhares e saiu dali o mais rápido que pôde.
Seus pés o levaram automaticamente para a sala de aula, onde encontrou um assento vazio e se jogou sobre ele. Seu peito ainda se movia de maneira irregular, como se tivesse acabado de correr uma maratona.
Ele ignorou os olhares curiosos dos outros alunos e fechou os olhos por um momento, tentando recuperar o fôlego.
Queria acreditar que o pior já havia passado, mas sabia que aquele era apenas o começo.
*******
— Lewis…
A voz o fez parar. Ele não precisava se virar para saber de quem era, mas, ainda assim, olhou por cima do ombro antes de se voltar completamente para encarar o responsável pelo chamado.
Alex estava parado ali, ao lado de Nick, ambos o observando com expressões indecifráveis.
— Obrigado por mais cedo… mas eu… — Lewis começou, sem saber exatamente como terminar a frase.
Ele queria expressar gratidão, mas ao mesmo tempo sentia que não devia. Afinal, ele mesmo sempre afastava qualquer um que tentasse se aproximar.
Alex, no entanto, não esperou que ele concluísse.
— Tudo bem. — Sua voz saiu firme, quase cortante. — Nós não queremos ser teus amigos.
O choque atravessou Lewis como um golpe inesperado. Seus olhos se ergueram, surpresos, encontrando primeiro o rosto impassível de Alex e depois o de Nick, que permanecia calado ao lado dele.
Por um segundo, seu peito apertou de uma forma que não deveria. Engoliu em seco, desviando o olhar para o chão.
Ele não podia se sentir mal.
Não depois de ter passado tanto tempo erguendo barreiras, afastando qualquer um que tentasse se aproximar. Aquilo era culpa dele.
— Só queremos saber se você está bem. — Alex continuou, trazendo a atenção de Lewis de volta para ele.
Havia uma sinceridade inesperada em seu tom, algo que o fez hesitar antes de responder.
— Deve ter sido um de vocês quem me levou até a enfermaria. — Ele murmurou, olhando rapidamente para Alex e Nick. — Obrigado…
— De nada. — Nick foi quem respondeu dessa vez, sua voz mais suave do que Lewis esperava.
Lewis levantou os olhos para ele. Por um instante, sentiu vontade de dizer algo mais — talvez se desculpar por ter sido tão rude com Nick naquele dia. Mas as palavras morreram em sua garganta no momento em que sentiu outro olhar sobre si.
Seus músculos enrijeceram.
Do outro lado do corredor, Edward estava encostado nos armários, os braços cruzados sobre o peito, observando-o com atenção inquietante. Seus olhos fixos nos dele não demonstravam emoção alguma, e justamente por isso eram ainda mais perturbadores.
O ar ao redor de Lewis pareceu ficar pesado.
Suas mãos começaram a suar.
— Lewis? — Alex chamou sua atenção ao notar a mudança repentina em sua postura.
Mas ele não conseguiu responder. Sua respiração estava descompassada, os dedos trêmulos.
Nick acompanhou seu olhar e então também viu Edward. Seu semblante se fechou levemente.
— E-eu tenho que… — Lewis tentou falar, mas sua própria voz falhou.
Sem esperar por mais nada, ele se virou e saiu apressado pelo corredor, os passos rápidos e descoordenados, como se fugir dali fosse a única opção possível.
Alex e Nick ficaram para trás, observando-o desaparecer.
Por um momento, trocaram olhares.
Alex então desviou a atenção para Edward, que ainda estava parado no mesmo lugar, sem expressão, apenas os observando. Ele sustentou o olhar de Alex por alguns segundos antes de, finalmente, se afastar e desaparecer por outro corredor.
Nick, por sua vez, continuou encarando o caminho por onde Lewis havia fugido. Sua expressão endureceu levemente, e ele franziu o cenho.
Algo estava errado.
E ele pretendia descobrir o quê.
******
Lewis estava trancado dentro de uma das cabines do banheiro.
O espaço apertado parecia ainda menor enquanto ele se encolhia no chão frio, as costas pressionadas contra a parede azulejada. Suas mãos seguravam o celular com tanta força que os dedos começavam a doer, mas ele não conseguia relaxar.
Seu corpo inteiro parecia estar sofrendo em antecipação. O peito subia e descia de forma irregular, e seu estômago revirava a cada segundo que passava. Era como se a própria espera fosse uma tortura, um aperto invisível que ia se fechando ao redor dele.
Engoliu em seco, tentando respirar fundo, mas o ar parecia não alcançar seus pulmões.
E então o celular vibrou.
Mesmo já esperando por aquilo, um espasmo percorreu seu corpo, e suas mãos tremeram ao destravar a tela.
Com dificuldade, ele levou o aparelho até a linha de visão, enquanto o outro braço apertava seu estômago em um gesto instintivo de autoproteção.
A mensagem era curta. Fria.
“Me espera no carro.”
Seu olhar mal teve tempo de processar as palavras antes que seu corpo reagisse.
A bile subiu de repente, queimando sua garganta, e Lewis abriu a tampa da pia às pressas. Jogou o corpo para frente, os joelhos raspando no chão, e vomitou.
O gosto amargo na boca se misturava com o desespero, e por um momento ele só conseguia se concentrar no som sufocante da própria respiração ofegante.
Ele não precisava de mais nada para saber que aquela noite seria um inferno.