— Isso é um absurdo, doentio, isso é… porra! — Daniel levantou-se bruscamente, empurrando a cadeira para trás. Suas mãos tremiam enquanto ele andava em círculos pela sala de interrogatório, respirando de forma irregular, como se o próprio ar ao seu redor estivesse impregnado de algo sufocante.

Do outro lado da mesa, o detetive Jack manteve a postura impassível, observando cada movimento de Daniel com olhos analíticos. Ao seu lado, o promotor da delegacia ajeitou os papéis à sua frente antes de falar.

— Senhor Smith, nós apenas queremos esclarecer os acontecimentos — disse o detetive, com a voz neutra, mas firme.

Daniel parou no meio da sala, apertando a mão. Seus olhos estavam arregalados, um brilho frenético neles.

— Vocês… vocês estão achando que… eu… — Ele puxou os próprios cabelos com as duas mãos, como se quisesse arrancar aquela ideia da sua cabeça. O nó em sua garganta era tão apertado que ele mal conseguia falar. — Eu nem consigo dizer isso em voz alta.

Soltou um riso seco e nervoso, mas não havia humor algum em sua expressão.

— É por isso que queremos que o senhor nos explique como era sua relação com o seu enteado — o promotor interveio, inclinando-se levemente para frente, sua voz carregada de um peso que fez o estômago de Daniel revirar.

Ele abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta da sala se abriu bruscamente.

— Não diga mais nada, senhor Smith.

A voz foi firme e cortante. Um homem alto, vestido com um terno impecável, entrou na sala segurando uma maleta de couro. Seu olhar varreu o ambiente rapidamente antes de se fixar em Daniel.

— E qualquer coisa que meu cliente tenha dito sem a minha presença eu quero que seja desconsiderada. Caso contrário, vou alegar coerção.

O detetive suspirou, impaciente.

— Seu cliente se ofereceu para colaborar por livre e espontânea vontade, já que lhe foram lidos todos os seus direitos. — Ele rebateu, cruzando os braços.

Daniel sentia o corpo inteiro tenso, como se seus músculos estivessem prestes a se partir ao meio. Suas mãos foram parar na cabeça, os dedos pressionando as têmporas enquanto ele tentava processar a sucessão de eventos.

Primeiro, a notícia repentina e devastadora: Lewis havia sofrido abuso. Isso por si só já era insuportável. Depois, a revelação que fez seu estômago revirar violentamente: ele era o principal suspeito.

Um gosto amargo subiu à sua boca. A mera ideia de que alguém tivesse feito isso com Lewis era revoltante, mas o fato de que estavam acusando ele… Ele queria gritar, queria socar algo, queria vomitar.

Seus olhos ardiam. Ele queria chorar. Não podia. Não ali.

— Que seja. — O advogado fechou a maleta com um clique seco. — A menos que tenham alguma acusação formal contra o meu cliente, estamos de saída.

— É uma questão de tempo — murmurou Jack, do outro lado da mesa.

O advogado nem hesitou.

— Vocês não têm nenhuma prova.

Ele girou nos calcanhares e fez um sinal para Daniel, que, ainda zonzo, seguiu para fora da sala.

Samanta abraçou o marido assim que o viu. Daniel retribuiu o abraço, exalando um suspiro cansado. Ele estava exausto e preocupado, sua mente ainda girando com os acontecimentos do dia. Foi então que percebeu Lewis encolhido atrás dela. Seu coração apertou.

Ele se afastou da esposa e deu alguns passos até o garoto.

— Você está bem? Lewis… — Daniel puxou o ar, tentando manter a calma. — O que aconteceu?

Lewis abaixou a cabeça, sentindo-se culpado. Sua voz saiu baixa, quase um sussurro:

— Estou bem. Não foi nada.

Samanta se colocou entre eles antes que Daniel pudesse insistir.

— Ele vai explicar tudo, amor, mas precisamos ir até a sala da delegada para esclarecer a situação.

Daniel encarou a esposa por um instante, então assentiu.

Os três seguiram até a sala da delegada Lívia.

— Sentem-se, por favor. — Ela indicou o sofá, puxando a cadeira para se acomodar diante da família. Logo em seguida, o detetive Jack entrou na sala e sentou-se ao lado dela.

Samanta foi a primeira a falar.

— Nós temos algo para dizer.

Seu olhar se voltou brevemente para Lewis. O garoto, no entanto, permaneceu em silêncio, evitando encará-los. Então, ela continuou:

— Depois que os detetives levaram meu marido… — Ela lançou um olhar de puro desgosto para Jack antes de prosseguir. — …meu filho me contou o que realmente aconteceu.

Daniel virou o rosto para ela, surpreso, mas Samanta apenas apertou a mão de Lewis em um gesto de incentivo.

— Pode falar, querido.

Lewis hesitou por um momento, desviou o olhar para o chão e então respirou fundo.

— Eu sou gay. — Falou de uma vez.

O silêncio que se seguiu foi pesado. A delegada e o detetive Jack trocaram olhares. Daniel apenas observava o enteado, sua expressão indecifrável.

— Ontem à noite, eu fui a uma festa na casa de um amigo e… conheci um cara. — Lewis mordeu o lábio, visivelmente desconfortável. — Uma coisa levou à outra e… nós acabamos…

Ele se remexeu no sofá, os dedos inquietos contra as próprias pernas.

— …acabamos fazendo sexo.

A delegada Lívia franziu o cenho.

— Lewis, havia hematomas. — Sua voz era firme, mas não hostil. — Você estava sangrando. Seja lá o que tenha acontecido…

— E-eu estava bêbado. — Lewis interrompeu-a de súbito.

O choque se espalhou pelo ambiente. Samanta, que até então se mantinha contida, arregalou os olhos.

— Você o quê? — Sua voz saiu dura, repleta de reprovação.

Lewis encolheu os ombros, murmurando um “desculpa” quase inaudível.

— As coisas ficaram um pouco… agressivas, mas não… eu não me machuquei de verdade. — Ele lançou um olhar rápido para a mãe antes de voltar a encarar o chão.

A delegada Lívia trocou um olhar significativo com Jack.

O detetive inclinou-se levemente para frente.

— Foi a sua primeira vez? — Sua voz não demonstrava julgamento, apenas curiosidade profissional.

Lewis hesitou antes de responder, a vergonha estampada em cada traço de seu rosto.

— S-sim…

Jack voltou a olhar para Lívia.

— Mas você já sangrou antes, Lewis. — disse ela.

Lewis olhou surpreso para a delegada, pego desprevenido.

— B-bem, sim… — Ele se remexeu no sofá, visivelmente desconfortável. — Aquele dia, eu tentei, mas foi muito doloroso, então desisti. M-mas acabei ficando um pouco machucado. — Inventou.

Lívia suspirou, passando a mão pelo rosto.

— E esses machucados no seu rosto? Como aconteceram?

— Eu caí enquanto voltava para casa. Ainda estava um pouco bêbado.

Jack não se deu por satisfeito.

— Quem era ele?

— Eu não sei. Não trocamos nomes.

— E como ele era? Quantos anos tinha?

Samanta envolveu o filho em um abraço protetor e ergueu o queixo com firmeza.

— A menos que ser gay seja um crime, meu filho não precisa responder mais nada.

Ela se levantou, puxando Lewis consigo.

— Sim, mas… — Lívia também se levantou, mantendo o olhar firme. — Ele é menor de idade e estava bêbado. Ele não tinha consciência para consentir o que quer que tenha acontecido.

— Meu filho tem 17 anos, já é grande o suficiente para tomar suas próprias decisões.

Samanta virou-se para Daniel, que permanecia calado, tapando a boca com a mão. Seu olhar estava atordoado, mas não era pelo fato de Lewis ser gay — e sim pelo que o garoto havia passado, mesmo que, segundo ele, tivesse sido consensual.

— Querido, vamos embora.

Ela segurou a mão do filho e saiu da sala.

Lívia acompanhou Daniel com o olhar. Pela expressão dele, percebeu que estava tão surpreso e atordoado quanto ela com toda aquela situação. E, naquele instante, começou a ter certeza de que não era ele.

Mas então, quem?

Porque aquela história… ela simplesmente não engoliu.

A família saiu da delegacia em silêncio. No caminho, Daniel não parava de observar Lewis, analisando-o atentamente.

Assim que entraram em casa, Daniel chamou Lewis.

— Por que você não nos contou?

Samanta seguiu para a cozinha para começar o jantar.

— Eu tinha medo… — respondeu baixo. — Desculpa.

Sussurrou sem olhar para o mais velho.

— Eu não queria que isso acontecesse… Desculpa.

Sua voz estava embargada.

— Tudo bem, já passou. — Daniel respondeu, bagunçando levemente seu cabelo antes de envolvê-lo em um abraço. — Nós respeitamos você e só queremos a sua felicidade, entende?

Ele deu leves batidinhas nas costas do garoto, que mordeu os lábios para conter o desconforto e a dor no corpo.

Lewis apenas assentiu, sem retribuir o abraço.

Nesse momento, Edward desceu as escadas e parou ao ver a cena.

Ele riu debochado.

— Você não perde tempo mesmo, hein, papai. — disse com sarcasmo.

Daniel franziu o cenho, soltando o mais novo, e Lewis aproveitou para se afastar rapidamente.

— O que você disse? — rebateu, encarando o filho.

Edward apenas deu de ombros, sem responder, e tentou passar pelos dois para sair, mas Daniel o interrompeu, agarrando-o pelo colarinho e o prensando com força contra a parede.

Lewis soltou um grito e logo tapou a boca com as mãos.

— Seu merdinha filho da puta. — Daniel sibilou entre os dentes. — Eu sei que você falou um monte de merda para os detetives com a intenção de me acusar!

Edward riu em deboche.

Quando Daniel chegou à delegacia, os detetives o bombardearam com perguntas e acusações, alegando que sabiam que ele ficava sempre sozinho com Lewis no quarto e que o garoto tinha medo dele.

Era uma mentira descarada. E Daniel sabia exatamente quem estava por trás daquilo.

Edward queria que a polícia acreditasse que Daniel era o responsável pelo abuso de Lewis.

Dessa forma, o Smith mais novo se livraria do pai e ainda destruiria sua reputação e carreira. Edward planejava se aproveitar da situação para acabar com ele.

— Eu só disse o que achava. — disse Edward, dando de ombros.

— Desgraçado!

— Daniel! — Samanta gritou quando o marido estava prestes a socar o filho.

Ela correu até os dois e segurou Daniel, impedindo-o.

— Se controle!

Daniel empurrou Edward, soltando-o bruscamente.

— Saia da minha casa. — apontou para a porta.

Edward riu ainda mais, pronto para sair.

— E não volte. Nunca mais.

O cacheado parou com a mão na maçaneta e olhou para o pai, incrédulo.

— Eu cansei de você. — Daniel declarou friamente.

— Daniel… — Samanta segurou sua mão. — Você não pode expulsar seu filho. Ele só tem você.

— Ele tem a mãe dele. Já que ele a ama tanto, pode voltar para sua antiga cidade e ficar com a família dela lá.

— Mas ele está estudando… Dani. — Samanta apertou levemente sua mão.

Daniel a olhou por um instante.

— Assim que as provas terminarem, não quero mais ver você aqui, Edward. — deu sua última decisão antes de sair da sala.

Edward permaneceu parado por um momento, a expressão irritada. Ele lançou um olhar rápido para Lewis — o que fez o menor sentir um arrepio na espinha — e então saiu, batendo a porta com força.

Lewis abraçou a si mesmo e continuou observando a porta fechada.

Seu coração batia acelerado.