Era final de semana, e a casa estava mergulhada em um silêncio tranquilo, quebrado apenas pelo som suave da faca cortando os ingredientes sobre a tábua de madeira. Lewis estava na cozinha junto com a mãe, que havia decidido preparar o jantar e pedira sua ajuda. Ele não se importou, embora tudo o que mais quisesse naquele momento fosse se jogar na cama e descansar.

O dia de ontem foi longo e cansativo. Cada movimento que ele fazia, grande ou pequeno, parecia exigir um esforço extra, como se uma corrente invisível pesasse sobre seus ombros, drenando suas forças pouco a pouco. No entanto, ele não podia deixar de aproveitar o tempo com sua mãe e ver ela com aquela expressão. Ela parecia muito animada, cantarolando baixinho uma melodia que Lewis reconheceu imediatamente. Ela costumava cantar sempre que cozinhavam juntos. Era algo que lhe trazia conforto e lembranças de antigamente, antes de seu pai os deixar e eles chegarem até aqui.

Lewis, no entanto, sentia-se distante, preso em seus próprios pensamentos.

— Sua tia me ligou. — Samanta começou, enquanto cortava um punhado de salsa com movimentos precisos e experientes. — Ela disse que vocês conversaram e que você prometeu visitá-la nas próximas férias.

Lewis, que até então estava distraído com seus pensamentos e a tarefa de descascar cebolas, parou por um instante. Sua expressão vacilou levemente, mas ele rapidamente escondeu qualquer hesitação ao abaixar o olhar para a tábua de corte.

— Eu… Ainda não sei, — respondeu baixo, encolhendo os ombros.

O convite de sua tia parecia, de fato, uma ideia boa. Nova Iorque sempre fora um destino que ele gostaria de conhecer, e passar um tempo longe daquela casa, longe Edward, parecia um sonho inalcançável. Mas ao mesmo tempo, algo dentro de Lewis hesitava e tremia com aquela ideia. Ele tinha muito medo, temia que as coisas só piorassem se tentasse ir, mesmo que fosse só pra passar as férias. Aconteceu quando ele fugiu de Edward naquele dia e foi sentar no parque. Foram só algumas horas e Edward o agrediu tanto que o deixou hospitalizado.

— O que você ainda não sabe, querido? — Samanta parou a tarefa e olhou para o filho com ternura. — Vai ser bom pra você. Você ama sua tia, com certeza está com muita saudade dela.

Lewis permaneceu em silêncio, apenas observando a mãe enquanto ela se virava para jogar a salsa picada na panela. O cheiro da manteiga derretendo já começava a preencher o ambiente, misturando-se com o aroma sutil do alho que ela havia colocado antes.

— Além disso, você vai poder conhecer Nova Iorque! Não é fantástico?

O entusiasmo na voz de Samanta era evidente. Ela queria que o filho tivesse algo para se animar, algo que o tirasse daquela apatia constante que parecia envolvê-lo há tanto tempo. Ela não via Lewis se divertir fazia um tempo. Na verdade, ela não se lembrava da última vez que o vira verdadeiramente feliz. Isso a preocupava mais do que ela gostaria de admitir.

Por mais que ela perguntasse ao  filho sobre o que estava errado, ele sempre negava e falava que estava bem. Não estava. Samanta sabia. Algo estava chateando seu filho. Mas ela não queria insistir tanto e o deixar mais retraído. Então Samanta achou que ele ficaria feliz com a ideia de visitar sua tia Érika, pois realmente eram muito próximos quando ela estava aqui, antes de Mateus, pai de Lewis falecer e ela deixar o país. Ela acha que Lewis pode se abrir com Érika.

Lewis sabia que sua mãe queria o melhor para ele. E, de certo modo, era bom sentir aquilo, que ela se importava, que queria que ele fosse feliz. Mas o medo era um companheiro constante e mais forte. Edward não vai gostar dessa ideia.

Ele umedeceu os lábios, procurando algo para dizer que não soasse como uma desculpa esfarrapada.

— Não quero chatear vocês com despesas desnecessárias, — inventou, mantendo os olhos fixos na cebola que ainda precisava cortar.

Ele sabia que tanto sua mãe quanto Daniel não hesitariam em pagar por sua viagem, mas a verdade era que o dinheiro não era o verdadeiro problema.

— Bobagens. — Samanta fez um gesto despreocupado com a mão, como se estivesse varrendo qualquer argumento de Lewis para longe. — Essa viagem já está paga, não se preocupe.

Ela mexeu a panela, observando o creme engrossar levemente antes de se virar novamente para o filho.

— Você vai para Nova Iorque ver sua tia nas férias e está decidido. O resto deixa para os adultos, okay? — Ela piscou e sorriu grandemente, tentando transmitir ao filho uma leveza que ela não tinha ideia que o mesmo precisava.

Lewis suspirou, mas acabou assentindo com a cabeça. Um pequeno sorriso – ainda que tímido – surgiu em seus lábios.

— Obrigado, mãe.

Samanta sorriu em resposta e, sem pensar duas vezes, puxou o filho para perto e beijou suas bochechas.

— Aqui, termine de cortar isso que eu vou pegar o camarão.

Lewis assentiu e voltou sua atenção para a cebola, tentando focar na tarefa e afastar os pensamentos que insistiam em rondar sua mente.

Eles estavam cozinhando esparguete de camarão. Um dos pratos favoritos de Lewis. Ele sorriu pequeno, notando algo. Sua mãe sempre fazia um dos seus pratos favoritos quando queria lhe fazer um pedido ou convencer de algo. Pelos vistos Samanta já tinha todo um plano pronto, antes de lhe chamar pra lhe ajudar a cozinhar.

Quando Samanta voltou com o camarão Lewis já havia terminado de cortar a cebola e entregou pra mãe. Os dois trocaram sorrisos de cumplicidade.

Enquanto isso, Edward, que estava parado atrás da parede ouvindo tudo, se desencostou lentamente, seus olhos estreitando-se levemente enquanto seus dedos deslizaram pelo celular no bolso. Sem hesitação, ele puxou o aparelho e procurou um nome específico em sua lista de contatos.

Levando o celular ao ouvido, Edward caminhou em direção ao próprio quarto e bateu a porta atrás de si.

*******

A mesa de jantar estava silenciosa. Todos comiam, exceto Edward, que ainda não havia aparecido. Lewis, sentado no mesmo lugar de sempre, mexia distraidamente no prato. O cheiro da comida era agradável, mas sua garganta parecia pesada. Mesmo assim, ele disfarçou seu denconforto e comeu algumas vezes com esforço.

Desde que teve aquela conversa com sua mãe, uma sensação incômoda o envolveu, uma sombra sufocante que parecia pairar sobre ele como um presságio ruim. Seu estômago estava embrulhado, e por mais que tentasse ignorar, o desconforto só parecia aumentar.

Ele não sabia exatamente o que era, mas um instinto profundo dizia que algo estava errado.

Era apenas sua mente pregando peças nele?

Sim. Só podia ser. Edward nem estava em casa, e ele não sabia de nada. Então estava tudo bem. Por enquanto.

Engolindo em seco, Lewis tentou afastar o mal-estar e se forçou a comer mais um pouco. No entanto, após mais algumas garfadas, desistiu.

— Terminei, — anunciou, sua voz mais baixa do que pretendia. — Posso subir?

Samanta ergueu o olhar para o filho, seus olhos analisando seu rosto pálido.

— Claro, querido. Está se sentindo bem?

— Sim, só estou cansado, — disse, forçando um sorriso breve antes de se levantar.

Ele recolheu seu prato, lavou rapidamente na pia e então se retirou.

No quarto, Lewis tentou se concentrar nos trabalhos da escola, mas o incômodo persistia. Ele revisou algumas anotações, respondeu algumas questões, mas sua mente parecia distante. A cada página virada, ele se via olhando para a porta, como se estivesse esperando algo.

Ou alguém, no caso.

A sensação de alerta constante estava exaustiva. Sua cabeça latejava, e o peso no peito só aumentava.

Seu olhar vagou pelo quarto, observando os móveis familiares, os detalhes triviais de seu espaço que, ainda assim, pareciam opressores. A escrivaninha com alguns livros empilhados, a cama desarrumada, o abajur emitindo uma luz amarelada suave… Tudo estava no lugar, mas ainda assim nada parecia certo.

Ele sabia o que estava esperando.

Sabia o porquê daquela inquietação crescente.

Edward.

Ele tentava não pensar nisso. Tentava se convencer de que não aconteceria nada naquela noite. Mas a verdade era que ele nunca sabia. Antes Edward não o tocava quando os mais velhos estavam em casa, mas hoje em dia ele tem feito isso de qualquer jeito, com Daniel e Samanta em casa ou não. Era aterrorizante e extremamente exaustivo viver em alerta o tempo todo. E essa era a rotina de Lewis.

Lewis encolheu as pernas contra o peito e abraçou-se, tentando encontrar algum conforto em si mesmo. Ele manteve os olhos fixos na porta, sentindo o coração acelerar toda vez que ouvia um ruído do lado de fora.

O tempo passou devagar. Ele esperou, contando os minutos no relógio digital ao lado da cama, sentindo o cansaço pesar sobre seus olhos, mas recusando-se a se entregar ao sono.

Uma hora se passou.

Duas.

Seu corpo finalmente cedeu, e o sono o venceu antes que sua mente pudesse protestar.

Seus olhos se fecharam, mas sua última sensação antes de apagar foi um arrepio gelado correndo por sua espinha.

Era uma sensação ruim e extremamente sombria.